Natal é com a família, e com verdadeira comida à portuguesa, etc., etc... O nosso pequeno quarto em Saint-Denis ia apanhar pó por quase duas semanas...
Há duas coisas de que nos arrependemos em grande escala nesta experiência Erasmus: não ter arranjado alojamento muito tempo antes de chegarmos a Paris, e não ter reservado um voo barato para passar o Natal em Portugal muito tempo antes também... O resultado de ter de esperar que os professores decidicem as datas dos últimos testes e entregas de trabalhos, foi que nem Ryanair nem Easyjet nos safaram, não havia uma única companhia aérea com lugares disponíveis para esta altura a menos de uma quantia choruda! Única solução: regressar a casa de camionete... Precisamente no dia em que íamos sair de Paris, é que neva pela primeira vez desde que cá estamos...


Não foi preciso despertador para acordar cedo naquela manhã, uma luz estranhamente branca furava os cortinados do quarto, contrastando com os útimos dias de céu limpo, em que os raios de luz solar se inclinavam como nunca para acordar qualquer um que não tenha estores na janela (em Paris não existem estores!). O resultado foi abrir os cortinados e ter uma visão rara... Ficam as fotos daquela manhã que não esqueceremos tão cedo, e mais à frente, as fotos dum dia que também não esqueceremos mas por motivos menos bons...


Impressionante! No dia anterior, um dia espectacular de céu azul, e neste dia nevava como nunca tínhamos visto antes... Nem nos passava pela cabeça a influência que o intenso nevão teria na viagem de camionete de regresso, prevista para durar umas 20 horas!
Depois dos últimos preparativos (muita comida para a viagem, quase esgotávamos o stock de baguetes frescas do Franprix), lá fomos nós apanhar a RER em direcção à estação de camionetes de Paris Gallieni. Durante o caminho dá para ter uma noção de uma cidade afectada pela neve... O comboio RER ia andando aos soluços, atrasando-nos bastante, e sem que pudéssemos correr com as malas a arrastar em camadas de neve de 20 cm!


O que estava a ser um belo dia, em que a neve nas ruas da cidade nos deslumbrava, passou rapidamente a um dos piores dias que já tivemos, e os palavrões direccionados à neve começavam a surgir de 15 em 15 minutos.
O facto da camionete disponibilizada ser de curta duração facilmente se resolvia se parássemos pelo menos de 4 em 4 horas, mas não deixa no entanto de ser estranho visto aquele estranhíssimo estado meteorológico... Os problemas maiores vieram no entanto a seguir num efeito dominó que começou no corte das estradas por causa do forte nevão...


Diário de Bordo:
- 4 horas para sair de Paris!!
- Camionete no máximo a percorrer a auto-estrada a 50 km/hora...
- O atraso foi tanto que de noite, quando chegámos a Bordéus, as dezenas de emigrantes portugueses que também regressariam a casa naquele dia tiveram de esperar ao frio umas 6 horas, sem que houvesse uma paragem coberta e fechada... Foi impossível dormir naquela noite, tal era a revolta dos nossos compatriotas, que durante todo o resto da viagem insultavam o motorista em todas as línguas possíveis... Não dormíamos, mas já nos sentíamos 'em casa'!
- Para uma viagem de 20 horas entre Paris e Porto, e apenas um motorista? Algo não vai dar certo...
- Dito e feito: o cartão de motorista que desbloqueia o sistema da camionete, e que o obriga a parar de x horas em x horas para fazer a troca, deu de si... Onde está o segundo motorista para trocar?? Mais umas horas parados, isto já em Espanha, e o tom da revolta já chegava às ameaças... Já não sabia se me havia de rir ou de chorar... Numa viagem de mais de 20 horas seguidas, isto foi acontecendo mais do que uma vez...


Dentro da camionete assístiamos a uma miniatura do verdadeiro Portugal durante um Porto-Benfica, com o motorista a fazer de árbitro. Lá fora existia uma paisagem idílica que nos cansava e nos pasmava ao mesmo tempo. O branco do céu confundia-se com o solo, e só os troncos das árvores mais próximos desenhava a paisagem e nos fazia crer que não estávamos mesmo num sonho ou num pesadelo! Porque a acrescentar a isto, raramente parámos em estações de serviço, visto que o atraso já chegava a umas boas horas (na primeira foto em baixo, estou eu à frente da nossa 'espectacular' camionete nas poucas vezes que parámos para descansar, ou cansar, e comer)... Já em Espanha, e já de dia outra vez, a neve e o nevoeiro ia dando a lugar a chuva e a céu azul com algumas nuvens...
Já não nos acreditávamos que chegaríamos a tempo do Natal a Portugal, mas quando atravessámos a fronteira, e passámos pela placa que dizia em lindas letras P-O-R-T-U-G-A-L a grande velocidade para compensar o incompensável, só ligávamos aos nossos pais a dizer: Guardem o almoço na mesma!


Passadas 27 horas, muitas das quais a rir e a ouvir os desabafos do comum e energético imigrante português, enquanto sustentávamos as pálpebras e as pernas como podíamos, já nada nos confortava mais, do que ver o skyline do Porto ao longe, as lágrimas que enchiam a estação de camionetes de 24 de Agosto, ouvir os últimos 3 meses de vida dos nossos irmãos, e a comida, ai a comida sobre a mesa, numa casa portuguesa com certeza...
O regresso, pouco antes do Ano Novo, também ia ser de camionete, porque continuava a não haver voos para Paris, mas mais vale nem pensar nisso...