Já não devo precisar dum dicionário ao meu lado para encontrar alguns adjectivos estranhos que caracterizem o Palácio de Versalhes. A sua história falará por si... Ainda a primavera não tinha chegado, e lá fomos nós visitar Versalhes pela primeira vez, para nunca mais esquecer. Não fazíamos ideia das dimensões do palácio muito menos dos jardins, mas mesmo assim decidimos que iríamos passar o dia todo nesta vila que fica a cerca de uma hora de comboio (linha RER C) de Paris. Não chegou... Saindo na estação RER de Versailles-Rive Gauche, e antes que se consiga avistar o palácio que fica a 5 minutos a pé, percebe-se desde logo que toda a vila é historicamente riquíssima, com edifícios a fazer inveja a muitas zonas de Paris. Seguindo pela direita chega-se então a uma larga avenida, onde é possível ver ao fundo parte do palácio, já que os seus limites não 'cabem' no horizonte...
Curiosamente, e porque os jardins estão do lado oposto, só tivemos verdadeira noção da grandiosidade de Versalhes quando pedimos um mapa na recepção e demorámos 10 minutos a desdobrá-lo! Felizmente o mapa mostra diversos percursos organizados por tempo de visita, e não demorámos a perceber que teríamos de escolher o mais pequeno. Se ao menos tivéssemos bicicletas... Mas bem, passando o enorme descampado onde se estacionam os carros e camionetes de excursão, uma estátua equestre de Luís XIV convida-nos a entrar no luxuoso complexo, caracterizado à primeira vista por um enorme portão dourado que dá (ou dava) acesso ao Pátio de Honra. Aqui, urnas, bustos, janelas e telhados introduzem-nos a uma magnificiência que só o Rei-Sol poderia conceber. Actualmente o sistema de entradas e saídas para o palácio e para o parque pode ser um pouco complicado, mas ainda assim é fácil imaginar como seriam os movimentos do dia-a-dia dos três reis de França que aqui viveram.
No século XVI, Versalhes não era mais que uma aldeia, na qual o seu senhor, Albert de Gondi, aproveitando-se da sua influência, convidava o rei Luís XIII para umas belas caçadas na floresta. Este, fascinado pelo local, ordena a construção dum pavilhão de caça em pedra e tijolo que ainda hoje se mantém. 8 anos depois, em 1632, Luís XIII adquire Versalhes e inicia o conjunto de ampliações que culminam na construção do maior palácio do mundo. No entanto é o seu sucessor, Luís XIV, o maior responsável pela construção do palácio como o conhecemos. Simplesmente aproveitou este local, suficientemente distante dos problemas que assolavam Paris, e já com a sua estúpida obsessão pela monumentalidade, ordenou a transformação do antigo edifício na nova residência real, e no novo centro político da França.
O projecto megalómano contava com os arquitectos Louis Le Vau e Jules Hardouin-Mansart para a expansão do palácio, com o decorador Charles Le Brun para os seus interiores, e com o arquitecto paisagista André Le Nôtre para os jardins. 2.153 janelas, 67 escadas, 352 chaminés, 700 quartos, 1.250 lareiras e 700 hectares de parque foram o suficiente para que em 1682 toda a corte real e o governo se estabelecessem em Versalhes. Curiosamente a expansão não se ficou por aqui, mas comparado com o que já existia, as transformações seguintes são pouco significativas, destacando-se sobretudo a construção da fabulosa capela real. Há quem diga que o Palácio de Versalhes era uma autêntica cidade, onde chegaram a viver 20 mil pessoas, sendo a maior parte empregados que garantiam a vida megalómana do rei absolutista...
Decidimos deixar a visita ao interior do palácio para o fim da tarde, e partir logo para o parque. Á medida que se atravessa o palácio para a zona mais alta dos jardins, e antes que fiquemos impressionados com a estrutura geométrica dos lagos e dos conjuntos de jardins, o que salta à vista é a fabulosa paisagem dominada pelo grande lago em forma de cruz, que termina a quase 3 quilómetros de nós! "É absurdo", pensávamos nós que nunca tínhamos visto nada assim... À medida que íamos descendo, e nos aproximando do centro do grande canal, os lagos com as magníficas estátuas em bronze, os jardins de todas as formas e feitios, os caminhos rectos que se perdem no horizonte, e os bosques dispostos de forma geometricamente perfeita, fazem-nos distrair do cansaço nas pernas que nos esperava... De vez em quando pensávamos de como seria a vida por estes lados, quantas carroças eram precisas para as pessoas disfrutarem deste enorme parque, e das míticas festas em barcos que se faziam no canal.
Seguindo quase à risca o percurso proposto, chegámos ao Grand Trianon. De facto, há medida que íamos caminhando e íamos lendo algumas informações sobre Versalhes, ficávamos cada vez mais impressionados com o estilo de vida e a ganância desta gente que não tinha mãos a medir se lhes apetecesse construir mais um edifício aqui e ali, ou ampliar ainda mais os jardins. Hoje, existe tanta coisa para conhecer em Versalhes como em metade de Paris, e se é verdade que muita gente aproveita os comboios turísticos que circulam pelo parque, para outros como nós, resta aproveitar um percurso que, sendo o mais pequeno, engloba não só o palácio e um oitavo do parque, como ainda um segundo palácio, mais pequeno, mandado construir por Luís XIV para se "afastar do rigor da vida cortesã e desfrutar da companhia da sua amante"! É o Grand Trianon...
Por motivos técnicos é-me impossível abordar os estilos, influências e funções de cada peça ou cada divisão de Versalhes e particularmente deste 'pequeno' palácio. Por outro lado as imagens falam por si... Exuberância atrás de exuberância, que faz a Revolução Francesa ser um marco cada vez mais justificável aos nossos olhos... Após a morte de Luís XIV, a corte regressa a Paris. O sucessor, Luís XV volta a Versalhes com 12 anos, estando o seu reinado marcado por algumas remodelações no palácio, das quais se destaca a construção dum teatro (L'Ópera). Há quem diga que todo o complexo real de Versalhes consumia cerca de 25% do rendimento nacional; apesar de ser um número exagerado, quem visita este 'mundo à parte' facilmente compreende a raiva do povo que vivia na miséria, e que em 1789, já com Luís XVI e Maria Antonieta instalados em Versalhes, fez questão de dar início à Revolução Francesa, invadindo o palácio, e obrigando o casal a ir até Paris, onde seriam executados.
Após a Revolução, o Palácio foi sendo esvaziado da luxúria que ainda brotava das paredes. Muito se sugeriu para o local, desde uma escola, a um museu... Mas desde o século XVIII até hoje, Versalhes foi tendo diversas funções conforme o seu contexto histórico, incluindo local de residência de Napoleão. Actualmente, e após um grande processo de recuperação de grande parte do mobiliário, e das zonas verdes do parque, Versalhes é um gigantesco museu, Património Mundial pela Unesco, recuperando a função que o rei Luís Filipe lhe deu em 1833 para dedicar a "todas as glórias de França". Trabalham aqui 800 pessoas, que garantem a manutenção do espaço, e sem cometer as loucuras financeiras do Antigo Regime, vão atraindo 8 milhões de turistas por ano, com espectáculos frequentes sobretudo na primavera. Jovens até aos 25 anos não pagam, como na maior parte dos monumentos em Paris, a não ser para aceder a certos eventos no parque ou no interior. Como ainda é outono, muitos dos lagos ainda não têm água, as flores coloridas das fotos não existem, e as árvores despidas tornam o parque místico...
Regressando do Grand Trianon para o interior de Versalhes, uma cansativa caminhada nos esperava, desta vez passando pelos jardins mais densos do lado esquerdo do caminho central. Pelo meio dos jardins centrais, inúmeras e espectaculares fontes interrompem o percurso. Na verdade, levar a água para as fontes e para um canal era uma dor de cabeça para os projectistas, resolvida por um complexo e moderno sistema que bombeava a água que vinha do Sena, e a distribuía por Versalhes através de 160 quilómetros de canos. A grandiosidade, não só do parque mas também do palácio, acabou por inspirar inúmeros palácios reais europeus. Em Portugal, é o Palácio Real de Queluz, que apesar das suas dimensões bem mais pequenas, chegou a ser apelidado de 'Versalhes Português". Já fatigados, e chegando ao patamar mais alto do parque, é um prazer olhar para trás e ver que caminhámos por duas vezes metade daquela profundidade.
Infelizmente os interiores do palácio fechavam mais cedo do que pensávamos. E numa hora só deu para visitar o primeiro piso de metade do palácio, deixando para outro dia a capela e a fabulosa Galeria dos Espelhos, onde foi assinado o Tratado de Versalhes em 1919. O palácio está estruturado a partir duma zona central em torno do Pátio de Honra, onde ficavam os aposentos privados do rei e da rainha. Como já se sabe cada um com o seu quarto, sem misturas. Por outro lado, no quarto da rainha, esta dava à luz na presença de toda a corte. Dessa zona central, existem as respectivas alas: a Ala Norte, onde originalmente se situavam os aposentos reais, passou a ser caracterizada pela presença da capela, do teatro e das galerias de pinturas; na Ala Sul localizavam-se os aposentos da Nobreza. Apesar das diferenças funcionais, o luxo está presente em cada canto, através de mármores, talhas de pedra e madeira, murais, veludos e mobiliário prateado e dourado. Cada divisão tem uma temática, e normalmente é dedicada a um deus do Olimpo. História à parte, hoje tudo isto é arte no seu máximo esplendor!
Há quem atribua a magnificiência de Versalhes à vida entediante do rei. Talvez seja a prova de que a riqueza não traz felicidade... Mas visitar um local destes até que enche a alma!