Este post não é recomendado a claustrofóbicos. Não é de admirar que numa livraria qualquer existam variados livros só sobre o mundo subterrâneo de Paris. Desde estações de metro fantasma, aos esgotos, passando pelas catacumbas, tudo foi ganhando valor cultural com os anos, e felizmente para nós, este misterioso mundo foi sendo aberto ao público. As catacumbas são provavelmente o expoente máximo, mas nem todos o podem conhecer, uns por motivos de saúde, outros por medo... A Vânia recusou-se a entrar, eu entrei sem sequer saber o que me esperava. Só o nome me despertava curiosidade...
Na verdade, as catacumbas ainda pertencem aos guias mais alternativos de Paris, e por isso não existe muita informação, muito menos sobre como entrar nas mesmas, já que estamos a falar de um cemitério subterrâneo com 400 km de extensão! Mas lá encontrámos: na enorme Place Denfert-Rochereau, no 14º arrondissement (a estação de metro mais próxima tem o mesmo nome), existem grandes placas centrais com jardins ou pequenas casas; é precisamente numa dessas casas, com um anexo todo verde, que existe uma pequena porta com uma minúscula recepção. Poucas imagens, quase nada de mapas esquemáticos, apenas uma lista de restrições (asmáticos não podem entrar), e 'protocolos' de emergência. Resta começar a descer as escadas e preparar-me para o pior...
Depois de descer até aos 20 metros de profundidade (!), completamente sozinho, deparo-me com um longo túnel. Não existem praticamente indicações, apenas inscrições antigas nas paredes. Limitei-me a caminhar, a caminhar e a caminhar. Um túnel que parecia não ter fim fez-me pensar que era isto as catacumbas, um comprido túnel com algumas galerias laterais completamente escuras. Resta então procurar a saída, pois a respiração já começava a tornar-se ofegante, apesar da brisa fresca artificial que ali passava... Continuo a caminhar...
Finalmente o túnel alarga-se, vejo algumas esculturas na parede, e também alguns turistas. Pronto teria chegado ao fim pensava eu, os belos relevos representando templos seria o apogeu da visita...
Até que chego a uma galeria mais larga e mais escura, e em frente uma estreita passagem com umas simpáticas palavras escritas em cima: 'Pare, é aqui o império da morte'. Olho lá para dentro, e não se vê ponta de luz. Ainda pensei em esperar pelos turistas que continuavam a tirar fotos às esculturas, mas não, há que entrar, e ir embora de uma vez por todas, sabe-se lá já quantos quilómetros tinha percorrido...
Bem, as catacumbas passaram a fazer finalmente sentido... Conjugar o horrível com o incrível foi fácil, aí estão aos fotos...
Paredes cheias, mas cheias de caveiras, e ossos. Poderia nem passar de isto mesmo, se o pessoal que aqui depositou os esqueletos não tivesse a ousadia de fazer desenhos, e construir padrões, com os crânios entre as ossadas. Tirar fotos é completamente proibido, e o labirinto de túneis coberto de esqueletos é vigiado por alguns funcionários que têm uma cadeira em cada esquina, quanto tempo passarão eles aqui em baixo? Não endoidecem? Um dos funcionários reprimiu-me várias vezes, quando via a luz do flash da minha máquina, outro decidiu atenuar a solidão e meteu conversa comigo, explicando tudo e mais alguma coisa sobre as catacumbas, incluindo o facto de que aquilo que estávamos a ver, ou seja, as catacumbas abertas ao público é apenas uma pequeníssima porção num sistema de túneis que cobre grande parte do Sul de Paris!
Foi em 1786, que o Conselho de Estado francês decidiu acabar com uma situação que se estava a tornar insustentável. Sendo que a maior parte das igrejas em Paris tinha o seu cemitério, estes foram sendo cada vez mais lotados e cada vez mais limitados em dimensões. Ora, chegou a uma altura que os problemas de saúde pública começaram a surgir associada à acumulação de cadáveres que não podiam ser devidamente guardados. Apesar da construção de cemitérios novos nos subúrbios, a solução teve de passar por aproveitar algumas cavernas e pedreiras dos montes da cidade como Montparnasse, e construir um gigante cemitério subterrâneo. O cemitério de Saint-Nicolas-des-Champs foi o primeiro a ser transferido. A partir daí foram precisos 15 meses para transportar todos os corpos, sempre de noite, dos cemitérios velhos para as catacumbas.
Estes túneis foram sendo usados para diversos fins, desde abrigo para a resistência francesa e alemães na 2ª Guerra Mundial, a bacanais realizados por Carlos X. Dos mais de 5 milhões de esqueletos que aqui existem, apenas os correspondentes aos mortos na Revolução Francesa foram aqui sepultados directamente. Existem também diversas placas ora contendo o nome do cemitério original, ora dedicando poemas sobre a morte, ora homenagendo indivíduos mais importantes que ali descansam.
Finalmente chego ao fim do labirinto, ainda eu não me tinha lembrado do que teria de subir já uma placa avisava as 'escadas difíceis' que me esperavam...
No fim das escadas existe apenas uma porta. Saio e não sei onde estou. Olho para trás e vejo que saí numa espécie de pequeno anexo de pedra entre dois prédios, que dá para uma rua estreita... Mas bem, entre a luz do sol que me feria os olhos e a desorientação lá consigo chegar à praça Denfert-Rochereau, onde a Vânia me esperava num dos jardins:
- De onde é que vieste?
- Do inferno...