Há quem pense que as passages só existem na Rive Droite, mas não é verdade. A Boulevard Saint-Germain tem muita história, e com ela, ruas perpendiculares míticas foram surgindo, assim como alguns recantos tão pitorescos quanto quase secretos. Mais ou menos a meio da Boulevard, perto da estação de metro Odéon e da estátua de Danton, fica a entrada para uma espécie de passage não coberta chamada Cour du Commerce St-André. A partir daqui tem-se acesso a um conjunto de pequenos pátios que já foram outrora privados...
Se há algo que torna o Cour du Commerce St-André motivo de passagem hoje em dia, é porque ficam aqui as traseiras do café mais antigo do mundo, o Le Procope. Foi fundado em 1686, e reclamar esse título é discutível, já que agora o Le Procope é um restaurante. Mas como bistrot, foi um local muito popular. A malta do teatro de l'Odéon só tinha de descer a rua com o mesmo nome para se descontrair; Napoleão ainda jovem costumava deixar aqui o chapéu como garantia de pagamento; e Voltaire bebia aqui 40 copos de café com chocolate por dia, reforçando a ideia de que o chocolate inspira, fisica e psicologicamente falando...
Como é hábito, não entramos nestes locais assustadoramente caros (até um dia!), e passámos para a tranquilidade do Cour de Rohan. Este conjunto de pátios, arborizados de forma curiosa, pertencia ao mesmo palácio de Rohan que aqui existia no século XV. A beleza da irregularidade atinge aqui o expoente numa cidade geometrizada à força por Haussmann e companhia. As janelas sobrepôem-se umas nas outras, as portas e portões dão a lado nenhum, o número de pisos é incerto: a insustentável beleza da arquitectura rural...
É no Cour de Rohan que está o único pas-de-mule ainda existente em Paris. Este objecto feito em ferro forjado ajudava as senhoras idosas a subir para as mulas. É de facto um pormenor nada interessante este que eu acabei de escrever, mas isto de encher chouriços para evitar adjectivar lugares paradoxais como o Cour de Rohan, vai ter de acabar... Ficam as imagens que é melhor...
Voltando ao Cour du Commerce de St-André, há um facto interessante que merece destaque, e não estou a gozar. Foi aqui, mais precisamente no nº 9 que o Joseph Guillotin idealizou o seu objecto de decapitação. No entanto o nome guilhotina apareceu muito mais tarde, já que inicialmente era Louisette, em homenagem ao seu construtor Antoine Louis. Tirando isto, há a referir que ainda é possível ver aqui uma das antigas muralhas de Paris, nomeadamente parte da Enceinte de Philippe-Auguste. O resto são lojinhas pitorescas como é vulgar por estes lados...