9.4 km a Norte do centro da cidade de Paris, mas bem juntinho à Boulevard Periphérique que circunda a capital, encontra-se a 'ville' de Saint-Denis.
'Ville' quer dizer cidade em francês, embora por aqui ter ou não ter o estatuto de 'cidade' é bem diferente do conceito português. De qualquer das formas Saint-Denis é uma localidade com quase 98.000 habitantes, mais do que Aveiro. Uma pequena metrópole nos subúrbios de Paris.
Saint-Denis é conhecida, fundamentalmente, por três razões:
- Uma cidade francesa que não tem franceses! Melhor dizendo, poucos são os franceses de gema que aqui habitam. É maioritariamente habitada por imigrantes das ex-colónias, mas os portugueses também têm uma presença significativa...
- Criminalidade! Foi a primeira coisa que nos disseram, ainda estávamos nós em Portugal; que Saint-Denis era perigosa e má movimentada. A wikipédia não ajuda nesta imagem ao dizer que é uma localidade com taxas de criminalidade muito altas em comparação com a média nacional. Mas curiosamente, Saint-Denis nem esteve muito ligada aos incidentes de 2005 (lembram-se dos carros incendiados?), gerados por revoltas sociais dos imigrantes.
- Stade de France! É o estádio nacional de França, construído com o propósito do Mundial de 98. Os seus 80.000 lugares fazem dele o grande símbolo de Saint-Denis, pondo injustamente para segundo plano a imponente e histórica basílica no centro da cidade. Saint-Denis foi o local escolhido para a construção do estádio por razões que um futuro urbanista como eu (oh yeah! espero bem que sim) explicará depois...
Apesar de à primeira 'vista' parecer uma daquelas cidades industriais construídas à pressão - típico dos subúrbios -, Saint-Denis é demasiado histórica para o valor que lhe dão.
Começou por ser uma vila galio-romana (deve ser assim que se escreve) chamada Catolacus, e não sei se foi por ter um nome tão 'católico', que se passou lá o seguinte: havia um tipo muito porreiro chamado Dionísio, Denis para os amigos. O tipo era tão porreiro que foi nomeado primeiro bispo de Paris no século III, já lá vai algum tempo. Só que ele teve algum azar, deve ser por isso que o chamaram depois de mártir: não é que o homem andou a tentar converter os gauleses a mando do imperador romano Décio, e acabou decapitado por isso? Mas o mais estúpido é que não foi o Astérix e companhia a assassinarem-no, mas sim... um outro imperador romano!
Claro que o facto dos imperadores romanos não se decidirem se queriam instalar o cristianismo ou não, acabou por deixar o Dionísio irritado, e o pobre coitado não teve mais nada: após a decapitação, o seu corpo pegou na cabeça e foi-se embora (como se pode ver nas imagens em baixo; aliás se em Paris virem uma estátua dum bispo sem cabeça, é o Saint-Denis!). Mas tal como as galinhas, acabou por não ir muito longe, falecendo de vez perto de Catolacus.
Com medo que ele se levantasse outra vez, enterraram-no ali mesmo, e os amigos passaram a falar dele como o Saint-Denis. Algum tempo depois, já o império romano tinha ido à falência, Saint-Denis já possuía um considerável número de fãs. É então que a fã número 1, Genevieve (mais tarde beatificada), já sem espaço no seu quarto para colocar os posters do seu ídolo, constrói uma capela em cima do túmulo, arrastando em peregrinação imensos fãs para lá. Passado uns séculos, Jim Morrisson constituía um fenómeno semelhante, também em Paris.
A admiração era tanta que o Rei Dagoberto, já no século VII, aproveitando-se do seu poder, manda erigir uma basílica perto do túmulo, concede à vila, agora denominada Saint-Denis, um estatuto real e independente, 'oferece-se' para ser enterrado lá, e ainda concede uns benefícios fiscais ao comércio. É por isso que ainda hoje há nas ruas de Saint-Denis imensas pessoas a vender ilegalmente, porque pensam que esses benefícios ainda estão em vigor.
A vila tinha na altura o grande previlégio de ser o local escolhido para se enterrar os reis de França, mais precisamente na basílica. Ok, eles não eram enterrados, mas sim postos em túmulos, e claro, estes iam-se acumulando, o que era uma dor de cabeça para as empregadas de limpeza. É então que, no século XII um conselheiro real chamado Suger (ver foto em cima, à direita) manda reconstruir a basílica. Ele curtia ouvir Sisters of Mercy e Bauhaus (ele tinha um mp3 com música do futuro, e por alguma razão o mp3 também era do futuro), transpondo o seu estilo de música preferido para a estética da nova basílica. E assim nasce o estilo gótico!
Mais tarde na guerra dos cem anos, Saint-Denis é arrasada, passando de 10 000 para 3000 habitantes! E pouco depois o rei Luís XIII, o 'Bem-amado', aquele que deu origem ao travestismo, decide construir e melhorar os edifícios da vila, através duma cunha da filha mais nova que era freira na paróquia de Saint-Denis, claro está...
No século XVIII, Saint-Denis é invadida por essa coisa chamada indústria. Mas uma invasão do caraças! A vila cresce excessivamente, cada vez mais fábricas, cada vez mais pessoas, cada vez mais imigrantes, e cada mais vez mais confusão...E a imponente e histórica basílica, a primeira de estilo gótico, ali no meio do fumo, e da confusão, caindo no esquecimento...Apesar da indústria ter trazido a Saint-Denis uma linha de comboio e um canal fluvial (ver foto em baixo), trouxe também imensa instabilidade social, sendo apelidada de 'Ville Rouge' até aos dias de hoje pela forte relação dos operários com o comunismo (não é desta que me livro da política...).
As últimas décadas deram oxigénio a Saint-Denis, com importantes planos urbanísticos, que trouxeram, entre muitas coisas, uma universidade, uma linha de metro, parques verdes, e um estádio que renovou uma imensa zona industrial que separa a cidade de Paris do centro de Saint-Denis.
Apesar de neste momento ser uma cidade renascida, acompanhada dum expressivo reforço policial que tenta contrariar as estatísticas criminais, Saint-Denis é uma cidade histórica, com uma basílica mais antiga que Notre-Dame, mas que não tem turistas... O baixo custo de vida, que contrasta com o centro de Paris, continua a atrair imigrantes, mas a pouca indústria ainda existente não chegará para todos, e o futuro de Saint-Denis será incerto...